Árvore de Sensações

15 de set. de 2011 § 0



1. A despeito das impressionantes imagens “científicas” - que vão desde o Big Bang até a época dos dinossauros, explosões violentas de som e cor -, o que realmente importa em A Árvore da Vida (2011), de Terrence Malick, é seu miolo.

2. O filme começa informando a morte de um dos filhos do casal O’Brien. Quer dizer, na verdade não. Ele se inicia mesmo com um fala da personagem da mãe que traz embutida dentro de si a chave de toda significação da história. É a informação a respeito de uma dualidade na vida, a existência de dois caminhos: o da graça – caridoso, benéfico, garantia de bons auspícios -, e o da natureza – que satisfaz apenas a si próprio, que força seu caminho, que busca a infelicidade dentro da felicidade.

3. E fica claro, ao longo de 138 minutos, que a mãe é a graça (o que talvez se escancare no curto plano que a mostra a dançar, literalmente flutuando no ar) e o pai é a natureza. O grande drama do protagonista, Jack, é que, por mais que ele se afeiçoe e prefira a mãe, é nas pegadas do pai que cabem seus pés. “Eu pareço mais com você do que com ela”, diz ele a um bruto Brad Pitt, personagem de nuances, que humaniza uma figura autoritária.

4. Após o começo, tem-se uma parte das seqüências de movimentos galácticos, formação do mundo, evolução da natureza através do fogo e das ondas gigantes. Essas seqüências iniciam aí e tornam a aparecer mais tarde, pontuando a história com seu caráter opressor. Diante da história do mundo e do tamanho dos astros o homem não é nada – e Jack é menos ainda.

5. Esse caráter cósmico serve para dar grandiloquência a uma história que, na essência, é um drama familiar, como tantos que costumamos ver por aí (Tolstoi acertou no alvo ao escrever que “todas as famílias infelizes o são a sua maneira”). Mas, na verdade, esse ar austero e grave é dado muito mais pelo contexto religioso do que pelo astrofísico. A epígrafe é um trecho do livro de Jó e há inclusive uma sequência envolvendo um sermão sobre esse capítulo. Jó é o homem de quem tudo foi retirado para que sua fé fosse testada. Espera-se que ele caia de joelhos e imagine, antecipando Nietzsche, que Deus está morto. Só que Jó é homem de fé inquebrantável e supera seus problemas, sempre com fé no Senhor. Mas Jack não é tão forte assim: quando adulto se torna um Sean Penn no auge da desorientação, com seu rosto anguloso consternado, confuso. Quando criança lhe foi ensinado que Ele vive acima, nos céus. Agora – e o filme, que é, sob vários aspectos, visto por seu ponto – se pergunta: será que Ele está lá mesmo?

6. Esse tom bíblico se reforça na fotografia - e que fotografia – de Emmanuel Lubezki: sempre diurna e brilhante, à base de luz natural tanto nas cenas externas como nas internas, além dos frequentes “estouros” do sol nas lentes – é a força luminosa Dele, como um véu sobre os personagens. A trilha de Alexandre Desplat também é grandiosa e clerical, sempre em crescentes instrumentais, recheada de coros. Ainda nos aspectos técnicos, a direção de Malick é soberba, sensorial, apoiada basicamente nas imagens. Com diálogos esparsos, a maioria das falas são narrações em off feitas com frases sussurradas, tristes apelos e indagações – enquanto isso, os planos são de uma poesia poucas vezes vista nas telas. O filme não possui uma linha narrativa, ao menos não uma ao modo que estamos acostumados.

7. A Árvore da Vida não é um novo clássico, o 2001 contemporâneo que muitos alardearam. Talvez se passe na duração das imagens cósmicas, pague pelo excesso em certas passagens e decisões, tenha uma pretensão que não se concretiza. Mas Malick é um artista, na acepção mais profunda da palavra. A Árvore da Vida não é um filme – é uma experiência. Pode ter seus pecadilhos, mas é lindo de doer.


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